segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para todas as coisas, um começo...


Caminhava apressadamente por entre as pessoas naquele terminal. Manhã com céu nublado.

"Como tem gente nessa cidade, meu Deus" pensava Nei enquanto costurava um caminho por entre a multidão que logo cedo ia trabalhar. O ônibus com destino a Praça Ramos já estava saindo "Porra, além de tudo ainda preciso correr senão perco essa droga"!

Conseguiu embarcar e acomodou-se em um canto do ônibus lotado de pessoas indo em direção ao centro da cidade.

Enquanto vagava os olhos sem ponto definido, assim como todos quando estão em lugares fechados como elevadores e meios de transporte, Nei fixava o pensamento na conversa com a mulher antes de sair de casa "Olha Marinês, te prometo que não volto pra casa sem uma boa notícia hoje". Essa notícia referia-se ao emprego cuja entrevista ele estava a caminho.

Já estava desempregado a longos 8 meses. Com filha pequena para criar e outro a caminho, (acho que a Marinês mentiu pra mim quando disse que tava se cuidando...) o dinheiro do seguro desemprego já tinha acabado a 2 meses.

Tinha visto uma vaga para televendas através do Jornal Amarelinho, dia desses quando caminhava sem rumo pelo centro. Ligou, foi atrás e conseguiu agendar uma entrevista.

Pior era ficar aceitando a cesta básica dos sogros "Ah meu filho, quando precisar saiba que estamos aqui viu?" dizia seu sogro, porém Nei ouvia diferente " Tá aqui a cesta básica, seu inútil, eu bem que avisei pra minha filha que você não ia conseguir sustentá-la mas como é teimosa, taí...".

Mas hoje isso estava para terminar. Tinha lido várias coisas no fim de semana sobre postura em entrevistas de emprego, viu no programa da Olga Bongiovanni que não se deve nunca ficar de braços cruzados, gaguejar, ficar desviando o olhar, procurar sorrir, não falar muito mas também não ficar calado...ou seria o contrário?

Ao descer na Praça Ramos caminhou rapidamente para a Barão de Itapetininga, pegou o elevador e subiu até o 14º andar.

Muitas pessoas aguardavam serem chamadas. Frio na barriga, nervosismo e as mãos suadas.

"Não posso ficar nervoso, lembro de tudo que devo fazer, esse emprego já tá comigo."

Lia rapidamente um jornal que estava lá em alguma mesa sem entender absolutamente nada do que estava escrito. O objetivo era passar aqueles longo minutos.

A mulher com excesso de maquiagem aquela hora da manhã surgia na porta de quando em quando chamando os candidatos " Rita de Cássia Fonseca!" olhava meio irritada e nada da tal Rita se manifestar. " Rita de Cássia Fonseca!" dessa vez uns dois tons acima da voz e lá no fundo aparecia Rita vindo do banheiro provavelmente. "Bom, essa já perdeu uns pontos na entrevista, melhor pra mim" animava-se Nei meio que nervosamente.

Uns minutos depois voltava Srta. Maquiagem-só-eu-tenho para chamar mais um candidato. "Sr. Josenei Ramos Silva?" . Nei levantou-se prontamente "Porra de nome esse, parece que todo mundo me olha...também pra que colocar esse Josi na frente???". Com um sorriso estampado no rosto causado mais pelo pensamento do que pela tranquilidade na entrevista, ele sentou-se perante o entrevistador e com braços cruzados, desviando o olhar a cada pergunta feita, falando muito sobre sua situação de desempregado e quase nada sobre suas habilidades, pode ouvir no final da entrevista a frase que com certeza Rita de Cássia Fonseca ouviu ao sair. "Muito obrigado, Sr. Josinei por ter vindo e aguarde nosso contato."

Simples assim. Tudo resolvido.

Desceu o elevador pensando na promessa que fez à Marinês quando saiu de casa naquela manhã.

Andando pelas ruas do centro apinhada de gente pra lá e pra cá, algumas apressadas, outras com passos mais lentos como os dele, por um momento Nei parou no meio do Viaduto do Chá e ficou olhando para lugar nenhum. Olhar fixo, trazia na mente quantas e quantas vezes ouviu aquela frase de minutos atrás "Muito obrigado, Sr.Josinei, entraremos em contato, aguarde nosso retorno, por enquanto é só Sr Josinei e muitas outras somente para lhe dizer que não seria daquela vez que ele voltaria ao mercado de trabalho.

Mas hoje seria diferente, ah seria!

Desceu até o Vale do Anhagabaú passando por algumas lojas e bares, chegou a uma casa dessas com aparência de abandono, um pouco suja e velha, ou velha de tão suja e subiu dois lances de escadas. Ambiente meio escuro para aquela hora do dia mas também com paredes pintadas de preto não poderia ser diferente.

Uma moça com ar angelical perguntou o que ele queria e como queria. Quando Nei disse que gostaria de falar com Fausto, o dono do lugar o ar angelical sumiu do rosto da moça provavelmente pela decepção de mais uma grana perdida. "Vou chamá-lo" disse com voz de poucos amigos e se afastou.

Minutos depois vinha Fausto lá dos fundos sala, saindo de algum escritório que ele mantinha fechado que com certeza não seria um dos lugares mais agradáveis daquela espelunca.

"Bom meu querido Josinei, quero dizer Nei..resolveu pensar no seu velho camarada aqui então?"

Nei cerrou os dentes e sorriu como se fosse uma ótima ocasião em sua vida e cumprimentando a mão de Fausto, disse apenas que aceitava o que ele havia proposto a uns meses atrás.

Afinal dançar para uma platéia de mulheres e alguns homens não havia nada demais. Para ele que em sua adolescência fazia cover de dançarinos do Tchaca Bum e variáveis era somente relembrar alguns passos e rebolar um pouco mais. Claro que com menos roupa também.

Fausto sorriu e olhando Nei de cima para baixo fez apenas a observação de que os cabelos teriam que ser cortados para tirar aqulelas mechas de luzes que insistiam em brihar nas pontas.

"Pode deixar Fausto, isso eu consigo hoje ainda". Pegou uns vinte reais com seu mais novo amigo de infãncia e foi pra rua resolver essa parte do cabelo logo.

-Ainda bem que conservo meu corpo bem, mesmo que a Marinês reclame que as vizinhas ficam de olho no marido dela, mas olha só como fiz bem e cuidar.

Chegou em casa e deu a notícia a mulher que disse algo entre dentes tipo "quero só ver se dessa vez vai mesmo", mas retribuiu com um leve beijo no rosto do marido avisando que já tinha comida na mesa esperando por eles.

A parte mais complicada foi explicar para Marinês que o emprego conseguido seria no período noturno e porque tinha cortado o cabelo já que estava sem dinheiro. E ainda por cima tirado as mechas de luz que ela tanto admirava desde que o conheceu.

- Não dá pra faciltar né mulher? As coisas estão dificeis você sabe disso melhor que qualquer pessoas. E no mais trabalho de porteiro a noite é tão calmo...

Começou aquele final de semana mesmo, chegava a tarde para ensaiar uns passos com outros dançarinos e aproveitar para se exercitar também.

A bicha que fazia as vezes de coreografa o chamava de Belo da Tarde "Já chegou meu querido, nossa versão masculina de Catherine Deneuve". Nei nem tinha idéia de quem porra era Catarina alguma coisa, mas não ligava achava até divertido ter um apelido que realçava o que ele já ouvia por ai, que era bonito, que toda sogra queria um genro como ele e outras graças.

Foi numa dessas noites que um cara chegou até ele após o show e deu um cartão com telefone. Homem discreto e bem vestido, entregou o cartão e saiu apressadamente.

No dia seguite Nei ligou e ouviu a voz do outro lado "Agora não dá, me liga daqui a uns 10 minutos.."

Quando retornou a voz do outro lado parecia mais calma.

-Então quero saber porque deixou o telefone pra mim?

-Pô cara deixei porque quero sair com você, não vao me dizer que só fica dançando só de cueca naquela espelunca e não sai com ninguém?

Nei ficou irritado sentindo sua masculinidade ferida.

-Olha aqui cara, saio sim. Mas só com mulher entendeu? Meu negócio foi e sempre será esse. Não curto ir pra cama com alguém com pêlo no peito, sacou?

-Pô mas eu sou discreto cara. E além do mais nem pêlo no peito eu tenho.

-Escuta aqui, já disse que não sou veado. Nem por dinheiro nenhum eu sairia com um veado entendeu?

-E quem disse que eu saio com veado também? Te dei meu telefone justamente porque sei que tu é homem como eu. E no mais acredito que quinhentos reais limpos na tua mão só pra transar comigo por alguns minutos é mais do que você ganha dançando ali.

Aquelas palavras "tu é homem" ,"transar por alguns minutos" e principalmente "quinhentos reais limpos" soaram para Nei com algo que dava pra se pensar.

A partir daquele contato, Nei ganhou mais dinheiro do que imaginava a sua vida inteira. E o melhor era ter um cliente fixo, como ele dizia.

Adicional noturno faz muita diferença viu mãe? dizia Marinês para a velha desconfiada com o dinheiro repentino do genro.

Em poucos meses estava com as contas todas pagas e fez questão de dar um presente aos sogros para calar a boca daquele velho infeliz.

O complicado novamente, era explicar para Marinês porque queria transar com ela agora somente com camisinha e porque sua preferência na cama era vê-la somente pelas costas.

De costas , pensava ele, todo mundo é igual...

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