Silvana olhava pela janela de seu escritório. Um olhar perdido. Ali no 17º daquele prédio luxuoso onde ocupava um cargo respeitável num multinacional, ela se permitiu ficar parada alguns minutos observando o movimento da cidade, mesmo sem estar vendo nada.
Seus pensamentos estavam indo além da paisagem que conseguia enxergar através daquela janela.
Chegara onde sempre quis. Um ótimo cargo numa empresa conceituada, bem localizada na Luis Carlos Berrini, um salário que lhe dava conforto suficiente e ainda podia ajudar alguns familiares mais próximos.
Esforçada como sua mãe, teve infância difícil com pai ausente e irmãos mais velhos envolvidos em confusões de todos os tipos. Mas nunca se permitiu ficar sem estudar. Aquilo sempre foi prioridade, graças as palavras de incentivo da mãe e dos sapos que engolia dos irmãos por ser tão dedicada a ler e escrever. Pensar que hoje ela ajuda a sustentar a famíia de pelo menos 2 deles...
Mas nada disso estava em questão naqueles minutos em que decidira pensar um pouco em si.
E as relações amorosas? Onde estavam?
Por mais que tentasse estava complicado manter uma relação por mais de uma noite.
Sentia um certo orgulho por sempre ter uma postura diferente das amigas que não se importavam em sair transando sempre que tinham oportunidade.
Não, com ela não. Lembrou que perdera a virgindade com 20 anos - "prefiro ser careta, do quer pia de água benta igual essas aí da rua que todo mundo mete a mão e o que mais puder"- e mesmo assim com um namoro de longa data.
Já tinha se inscrito em milhares de sites de relacionamentos, par perfeito, amores a distância, solteiros anônimos e outros de nomes impronunciáveis. Simpatias, principalmente aquelas que dão certo constrangimento de fazer mesmo estando sozinho, mas enfim tudo em nome do amor.
O telefone tocou estridente e ela acordou de seu transe momentâneo.
-Srta.Silvana chegou uma encomenda. Posso pedir para o motoboy levar até aí?
- Claro, Rose. Obrigada.
Provavelmente o storyboard que havia solicitado ao desenhista havia finalmente ficado pronto.
"Assim me livro logo desse projeto ridículo e parto pra outro que tenha mais a ver comigo."
A secretária bate a porta discretamente e entra devagar trazendo um pacote somente com o nome do destinatário. Silvana agradece e pede para Rose sair da sala.
"Que será isso?" se pergunta enquanto revirar o pacote cuidadosamente embrulhado de todos os lados e nada de uma etiqueta com remetente.
-Rose o motoboy ainda está aí na recepção?
-Sim, Srta.Silvana está aguardando o elevador subir.
-Peça para ele voltar aqui, por favor.
Rose abre a porta, pede para Lucas entrar e volta para sua mesa, meio desconfiada daquele motoboy ter demorado tanto para chamar o elevador.
Silvana continua com olhando o pacote com curiosidade e mal olha para o rapaz.
-Então meu jovem, você sabe de....
Ela pára no meio da frase e olha para aquele rapaz na sua frente mal acreditando no que vê.
-Lucas??? É você mesmo??
Ele meio envergonhado sem saber como encará-la balbucia algumas palavras.
-Fala Lucas! Mas fala direito que não tô te ouvindo! Como você teve coragem de aparecer aqui??
-Eu não sabia que te encontraria aqui! Como eu ia advinhar? Me entregaram essa pacote e só me deram o endereço da empresa. Eu vi o nome Silvana escrito aí, mas porra, sabe quantas Silvanas tem numa cidade dessas?
Os olhos de Silvana começaram a marejar e ela se odiou por ter perdido o controle tão rápido. Logo ela sempre com mão de ferro em frente aos empresários que lidava diariamente em reuniões intermináveis, estava começando a se desmanchar em lágrimas em frente aquele motoboy.
-Você não vai sumir dessa vez, Lucas. Ah não vai mesmo!!!!
- Claro que não Silvana! Tá doida mulher? Eu te procurei um bocado sabia??
-Mentiroso! Como alguém pode me procurar e não me achar em lugar nenhum? Sempre tem matérias falando sobre mim em revistas, palestras que dou em vários lugares. Como se atreve a me dizer que me procurou??
Lucas abaixa a cabeça envergonhado e sente-se na obrigação de dizer que realmente não fez tanto esforço assim. No máximo foi casa da mãe dela umas 3 vezes, mas foi recebido com a porta na cara.Daí desisitiu. Achou melhor caçar outro rumo na vida.
Ficar de namoro com uma moça que mal tinha tempo pra ele era pedir demais. "Tenho minhas necessidades.pô". E no mais não tinha o apoio dela pra montar uma empresa que ele tanto sonhava. Um dia terei minha frota de motoboys, daí sim, vão me respeitar como empresário.
Claro que uns 8 anos se passaram e cuidaram de jogar uma pá de cal nos sonhos daquele rapaz que mal tinha terminado o segundo grau ainda.
Seu namoro com Silvana começou aos trancos e barrancos, principalmente pelo fato dele ser uns 10 anos mais jovem que ela. Isso causou desconforto para família de ambos. "Ela só quer você para exibi-lo por aí" diziam seus pais. "Ele tá querendo se encostar em você né minha filha? Tá na cara...Qual futuro esse menino tem gente?" questionava a mãe de Silvana dia e noite à filha.
Uma gravidez inesperada e um aborto espontãneo vieram com um golpe final naquele romance que ao ver de todos, era fadado ao fracasso.
Silvana se mudou dali o mais rápido que pôde se sentindo péssima e foi buscar consolo em seus estudos. A faculdade estava para terminar e não queria entregar os pontos assim.
Agora estavam ali, frente a frente quase 9 anos depois numa situação inusitada.
-Silvana, eu queria realmente que tivesse dado certo. Pô só me meti em enrascada depois que você sumiu.Entendi aquilo como um recado do destino para que eu ficasse na minha e visse que era demais para mim ter alguém do seu nível ao meu lado.
-Nível? Que nível tá falando? Eu era doida por você Lucas, perdi a virgindade contigo! Eu errei por ter gostado tanto e não ter me cuidado como devia. Me sinto péssima até hoje por ter perdido uma criança. Mas tudo vem na hora certa não é?E aquela definitivamente não era nossa hora!
-Olha Silvana vamos fazer assim. Estou em horário de trabalho, anota meu telefone, me liga e vamos resolver isso de uma vez, vai?
- Tá certo. Me descontrolei. Mas tô avisando, isso vai ter um fim aqui.
Lucas saiu e deixou Silvana com um turbilhão de sentimentos para serem administrados.
Quanto ao pacote, Lucas sorriu por ter conseguido a manhã livre na empresa. Agradecia agora aos céus pela matéria que tinha lido no dia anterior sobre uma palestrante que estava alcançando lugar de destaque nos sites especializados.
"Silvana Soares administra bem seu tempo" - dizia a manchete e quando Lucas leu aquelas páginas não teve dúvidas. Engoliu o orgulho e decidiu procurá-la. Não morava mais com seus pais, a opinião deles sobre Silvana não tinha mais importância. Ela também morava só e muito bem, como a matéria fazia questão de deixar claro.
Embrulhou com cuidado um presente que fizera com carinho e entregou na empresa onde ela trabalhava, na esperança de que acontecesse exatamente aquilo. Um sinal. Se acontecesse daquele jeito que ele pensara, seria um sinal. E não teria mais empecilho para chegar até ela.
Mas teria que parecer natural. E assim foi.
Silvana abriu o pacote muito depois de Lucas ter saido. Nem lembrava mais daquele pacote, ali sem nome de remetente.
Abriu com cuidado para não estragar o embrulho. Ao ver o conteúdo, sorriu discretamente.
O safado sabia exatamente o que estava fazendo. Ali dentro do pacote uma rosa feita de arames, muito bem desenhada e rica em detalhes, trazia um bilhete preso à ela por uma corrente fina e brilhante. "Será que ainda temos tempo??" estava escrito.
Ela sorriu e ligou para o número em seguida.
Seis meses depois, Silvana estava sentada na mesma posição com o mesmo olhar fixo em algum ponto além da janela. O casamento estava indo a mil maravilhas, incentivou Lucas a investir em seu próprio negócio e com um pequena ajuda da sua parte, ele finalmente deslanchara.
"Quando o destino não está a nosso favor, a gente vai lá e muda ele um pouco."
Sorriu e voltou seu pensamento ao trabalho aguardando em sua mesa.