segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ainda temos tempo?


Silvana olhava pela janela de seu escritório. Um olhar perdido. Ali no 17º daquele prédio luxuoso onde ocupava um cargo respeitável num multinacional, ela se permitiu ficar parada alguns minutos observando o movimento da cidade, mesmo sem estar vendo nada.

Seus pensamentos estavam indo além da paisagem que conseguia enxergar através daquela janela.

Chegara onde sempre quis. Um ótimo cargo numa empresa conceituada, bem localizada na Luis Carlos Berrini, um salário que lhe dava conforto suficiente e ainda podia ajudar alguns familiares mais próximos.

Esforçada como sua mãe, teve infância difícil com pai ausente e irmãos mais velhos envolvidos em confusões de todos os tipos. Mas nunca se permitiu ficar sem estudar. Aquilo sempre foi prioridade, graças as palavras de incentivo da mãe e dos sapos que engolia dos irmãos por ser tão dedicada a ler e escrever. Pensar que hoje ela ajuda a sustentar a famíia de pelo menos 2 deles...

Mas nada disso estava em questão naqueles minutos em que decidira pensar um pouco em si.

E as relações amorosas? Onde estavam?
Por mais que tentasse estava complicado manter uma relação por mais de uma noite.

Sentia um certo orgulho por sempre ter uma postura diferente das amigas que não se importavam em sair transando sempre que tinham oportunidade.

Não, com ela não. Lembrou que perdera a virgindade com 20 anos - "prefiro ser careta, do quer pia de água benta igual essas aí da rua que todo mundo mete a mão e o que mais puder"- e mesmo assim com um namoro de longa data.
Já tinha se inscrito em milhares de sites de relacionamentos, par perfeito, amores a distância, solteiros anônimos e outros de nomes impronunciáveis. Simpatias, principalmente aquelas que dão certo constrangimento de fazer mesmo estando sozinho, mas enfim tudo em nome do amor.

O telefone tocou estridente e ela acordou de seu transe momentâneo.

-Srta.Silvana chegou uma encomenda. Posso pedir para o motoboy levar até aí?
- Claro, Rose. Obrigada.

Provavelmente o storyboard que havia solicitado ao desenhista havia finalmente ficado pronto.
"Assim me livro logo desse projeto ridículo e parto pra outro que tenha mais a ver comigo."

A secretária bate a porta discretamente e entra devagar trazendo um pacote somente com o nome do destinatário. Silvana agradece e pede para Rose sair da sala.

"Que será isso?" se pergunta enquanto revirar o pacote cuidadosamente embrulhado de todos os lados e nada de uma etiqueta com remetente.

-Rose o motoboy ainda está aí na recepção?

-Sim, Srta.Silvana está aguardando o elevador subir.

-Peça para ele voltar aqui, por favor.

Rose abre a porta, pede para Lucas entrar e volta para sua mesa, meio desconfiada daquele motoboy ter demorado tanto para chamar o elevador.

Silvana continua com olhando o pacote com curiosidade e mal olha para o rapaz.
-Então meu jovem, você sabe de....

Ela pára no meio da frase e olha para aquele rapaz na sua frente mal acreditando no que vê.

-Lucas??? É você mesmo??

Ele meio envergonhado sem saber como encará-la balbucia algumas palavras.

-Fala Lucas! Mas fala direito que não tô te ouvindo! Como você teve coragem de aparecer aqui??

-Eu não sabia que te encontraria aqui! Como eu ia advinhar? Me entregaram essa pacote e só me deram o endereço da empresa. Eu vi o nome Silvana escrito aí, mas porra, sabe quantas Silvanas tem numa cidade dessas?

Os olhos de Silvana começaram a marejar e ela se odiou por ter perdido o controle tão rápido. Logo ela sempre com mão de ferro em frente aos empresários que lidava diariamente em reuniões intermináveis, estava começando a se desmanchar em lágrimas em frente aquele motoboy.

-Você não vai sumir dessa vez, Lucas. Ah não vai mesmo!!!!

- Claro que não Silvana! Tá doida mulher? Eu te procurei um bocado sabia??

-Mentiroso! Como alguém pode me procurar e não me achar em lugar nenhum? Sempre tem matérias falando sobre mim em revistas, palestras que dou em vários lugares. Como se atreve a me dizer que me procurou??

Lucas abaixa a cabeça envergonhado e sente-se na obrigação de dizer que realmente não fez tanto esforço assim. No máximo foi casa da mãe dela umas 3 vezes, mas foi recebido com a porta na cara.Daí desisitiu. Achou melhor caçar outro rumo na vida.
Ficar de namoro com uma moça que mal tinha tempo pra ele era pedir demais. "Tenho minhas necessidades.pô". E no mais não tinha o apoio dela pra montar uma empresa que ele tanto sonhava. Um dia terei minha frota de motoboys, daí sim, vão me respeitar como empresário.

Claro que uns 8 anos se passaram e cuidaram de jogar uma pá de cal nos sonhos daquele rapaz que mal tinha terminado o segundo grau ainda.

Seu namoro com Silvana começou aos trancos e barrancos, principalmente pelo fato dele ser uns 10 anos mais jovem que ela. Isso causou desconforto para família de ambos. "Ela só quer você para exibi-lo por aí" diziam seus pais. "Ele tá querendo se encostar em você né minha filha? Tá na cara...Qual futuro esse menino tem gente?" questionava a mãe de Silvana dia e noite à filha.

Uma gravidez inesperada e um aborto espontãneo vieram com um golpe final naquele romance que ao ver de todos, era fadado ao fracasso.

Silvana se mudou dali o mais rápido que pôde se sentindo péssima e foi buscar consolo em seus estudos. A faculdade estava para terminar e não queria entregar os pontos assim.

Agora estavam ali, frente a frente quase 9 anos depois numa situação inusitada.

-Silvana, eu queria realmente que tivesse dado certo. Pô só me meti em enrascada depois que você sumiu.Entendi aquilo como um recado do destino para que eu ficasse na minha e visse que era demais para mim ter alguém do seu nível ao meu lado.

-Nível? Que nível tá falando? Eu era doida por você Lucas, perdi a virgindade contigo! Eu errei por ter gostado tanto e não ter me cuidado como devia. Me sinto péssima até hoje por ter perdido uma criança. Mas tudo vem na hora certa não é?E aquela definitivamente não era nossa hora!

-Olha Silvana vamos fazer assim. Estou em horário de trabalho, anota meu telefone, me liga e vamos resolver isso de uma vez, vai?

- Tá certo. Me descontrolei. Mas tô avisando, isso vai ter um fim aqui.

Lucas saiu e deixou Silvana com um turbilhão de sentimentos para serem administrados.

Quanto ao pacote, Lucas sorriu por ter conseguido a manhã livre na empresa. Agradecia agora aos céus pela matéria que tinha lido no dia anterior sobre uma palestrante que estava alcançando lugar de destaque nos sites especializados.

"Silvana Soares administra bem seu tempo" - dizia a manchete e quando Lucas leu aquelas páginas não teve dúvidas. Engoliu o orgulho e decidiu procurá-la. Não morava mais com seus pais, a opinião deles sobre Silvana não tinha mais importância. Ela também morava só e muito bem, como a matéria fazia questão de deixar claro.

Embrulhou com cuidado um presente que fizera com carinho e entregou na empresa onde ela trabalhava, na esperança de que acontecesse exatamente aquilo. Um sinal. Se acontecesse daquele jeito que ele pensara, seria um sinal. E não teria mais empecilho para chegar até ela.

Mas teria que parecer natural. E assim foi.
Silvana abriu o pacote muito depois de Lucas ter saido. Nem lembrava mais daquele pacote, ali sem nome de remetente.

Abriu com cuidado para não estragar o embrulho. Ao ver o conteúdo, sorriu discretamente.

O safado sabia exatamente o que estava fazendo. Ali dentro do pacote uma rosa feita de arames, muito bem desenhada e rica em detalhes, trazia um bilhete preso à ela por uma corrente fina e brilhante. "Será que ainda temos tempo??" estava escrito.

Ela sorriu e ligou para o número em seguida.

Seis meses depois, Silvana estava sentada na mesma posição com o mesmo olhar fixo em algum ponto além da janela. O casamento estava indo a mil maravilhas, incentivou Lucas a investir em seu próprio negócio e com um pequena ajuda da sua parte, ele finalmente deslanchara.

"Quando o destino não está a nosso favor, a gente vai lá e muda ele um pouco."
Sorriu e voltou seu pensamento ao trabalho aguardando em sua mesa.

Para todas as coisas, um começo...


Caminhava apressadamente por entre as pessoas naquele terminal. Manhã com céu nublado.

"Como tem gente nessa cidade, meu Deus" pensava Nei enquanto costurava um caminho por entre a multidão que logo cedo ia trabalhar. O ônibus com destino a Praça Ramos já estava saindo "Porra, além de tudo ainda preciso correr senão perco essa droga"!

Conseguiu embarcar e acomodou-se em um canto do ônibus lotado de pessoas indo em direção ao centro da cidade.

Enquanto vagava os olhos sem ponto definido, assim como todos quando estão em lugares fechados como elevadores e meios de transporte, Nei fixava o pensamento na conversa com a mulher antes de sair de casa "Olha Marinês, te prometo que não volto pra casa sem uma boa notícia hoje". Essa notícia referia-se ao emprego cuja entrevista ele estava a caminho.

Já estava desempregado a longos 8 meses. Com filha pequena para criar e outro a caminho, (acho que a Marinês mentiu pra mim quando disse que tava se cuidando...) o dinheiro do seguro desemprego já tinha acabado a 2 meses.

Tinha visto uma vaga para televendas através do Jornal Amarelinho, dia desses quando caminhava sem rumo pelo centro. Ligou, foi atrás e conseguiu agendar uma entrevista.

Pior era ficar aceitando a cesta básica dos sogros "Ah meu filho, quando precisar saiba que estamos aqui viu?" dizia seu sogro, porém Nei ouvia diferente " Tá aqui a cesta básica, seu inútil, eu bem que avisei pra minha filha que você não ia conseguir sustentá-la mas como é teimosa, taí...".

Mas hoje isso estava para terminar. Tinha lido várias coisas no fim de semana sobre postura em entrevistas de emprego, viu no programa da Olga Bongiovanni que não se deve nunca ficar de braços cruzados, gaguejar, ficar desviando o olhar, procurar sorrir, não falar muito mas também não ficar calado...ou seria o contrário?

Ao descer na Praça Ramos caminhou rapidamente para a Barão de Itapetininga, pegou o elevador e subiu até o 14º andar.

Muitas pessoas aguardavam serem chamadas. Frio na barriga, nervosismo e as mãos suadas.

"Não posso ficar nervoso, lembro de tudo que devo fazer, esse emprego já tá comigo."

Lia rapidamente um jornal que estava lá em alguma mesa sem entender absolutamente nada do que estava escrito. O objetivo era passar aqueles longo minutos.

A mulher com excesso de maquiagem aquela hora da manhã surgia na porta de quando em quando chamando os candidatos " Rita de Cássia Fonseca!" olhava meio irritada e nada da tal Rita se manifestar. " Rita de Cássia Fonseca!" dessa vez uns dois tons acima da voz e lá no fundo aparecia Rita vindo do banheiro provavelmente. "Bom, essa já perdeu uns pontos na entrevista, melhor pra mim" animava-se Nei meio que nervosamente.

Uns minutos depois voltava Srta. Maquiagem-só-eu-tenho para chamar mais um candidato. "Sr. Josenei Ramos Silva?" . Nei levantou-se prontamente "Porra de nome esse, parece que todo mundo me olha...também pra que colocar esse Josi na frente???". Com um sorriso estampado no rosto causado mais pelo pensamento do que pela tranquilidade na entrevista, ele sentou-se perante o entrevistador e com braços cruzados, desviando o olhar a cada pergunta feita, falando muito sobre sua situação de desempregado e quase nada sobre suas habilidades, pode ouvir no final da entrevista a frase que com certeza Rita de Cássia Fonseca ouviu ao sair. "Muito obrigado, Sr. Josinei por ter vindo e aguarde nosso contato."

Simples assim. Tudo resolvido.

Desceu o elevador pensando na promessa que fez à Marinês quando saiu de casa naquela manhã.

Andando pelas ruas do centro apinhada de gente pra lá e pra cá, algumas apressadas, outras com passos mais lentos como os dele, por um momento Nei parou no meio do Viaduto do Chá e ficou olhando para lugar nenhum. Olhar fixo, trazia na mente quantas e quantas vezes ouviu aquela frase de minutos atrás "Muito obrigado, Sr.Josinei, entraremos em contato, aguarde nosso retorno, por enquanto é só Sr Josinei e muitas outras somente para lhe dizer que não seria daquela vez que ele voltaria ao mercado de trabalho.

Mas hoje seria diferente, ah seria!

Desceu até o Vale do Anhagabaú passando por algumas lojas e bares, chegou a uma casa dessas com aparência de abandono, um pouco suja e velha, ou velha de tão suja e subiu dois lances de escadas. Ambiente meio escuro para aquela hora do dia mas também com paredes pintadas de preto não poderia ser diferente.

Uma moça com ar angelical perguntou o que ele queria e como queria. Quando Nei disse que gostaria de falar com Fausto, o dono do lugar o ar angelical sumiu do rosto da moça provavelmente pela decepção de mais uma grana perdida. "Vou chamá-lo" disse com voz de poucos amigos e se afastou.

Minutos depois vinha Fausto lá dos fundos sala, saindo de algum escritório que ele mantinha fechado que com certeza não seria um dos lugares mais agradáveis daquela espelunca.

"Bom meu querido Josinei, quero dizer Nei..resolveu pensar no seu velho camarada aqui então?"

Nei cerrou os dentes e sorriu como se fosse uma ótima ocasião em sua vida e cumprimentando a mão de Fausto, disse apenas que aceitava o que ele havia proposto a uns meses atrás.

Afinal dançar para uma platéia de mulheres e alguns homens não havia nada demais. Para ele que em sua adolescência fazia cover de dançarinos do Tchaca Bum e variáveis era somente relembrar alguns passos e rebolar um pouco mais. Claro que com menos roupa também.

Fausto sorriu e olhando Nei de cima para baixo fez apenas a observação de que os cabelos teriam que ser cortados para tirar aqulelas mechas de luzes que insistiam em brihar nas pontas.

"Pode deixar Fausto, isso eu consigo hoje ainda". Pegou uns vinte reais com seu mais novo amigo de infãncia e foi pra rua resolver essa parte do cabelo logo.

-Ainda bem que conservo meu corpo bem, mesmo que a Marinês reclame que as vizinhas ficam de olho no marido dela, mas olha só como fiz bem e cuidar.

Chegou em casa e deu a notícia a mulher que disse algo entre dentes tipo "quero só ver se dessa vez vai mesmo", mas retribuiu com um leve beijo no rosto do marido avisando que já tinha comida na mesa esperando por eles.

A parte mais complicada foi explicar para Marinês que o emprego conseguido seria no período noturno e porque tinha cortado o cabelo já que estava sem dinheiro. E ainda por cima tirado as mechas de luz que ela tanto admirava desde que o conheceu.

- Não dá pra faciltar né mulher? As coisas estão dificeis você sabe disso melhor que qualquer pessoas. E no mais trabalho de porteiro a noite é tão calmo...

Começou aquele final de semana mesmo, chegava a tarde para ensaiar uns passos com outros dançarinos e aproveitar para se exercitar também.

A bicha que fazia as vezes de coreografa o chamava de Belo da Tarde "Já chegou meu querido, nossa versão masculina de Catherine Deneuve". Nei nem tinha idéia de quem porra era Catarina alguma coisa, mas não ligava achava até divertido ter um apelido que realçava o que ele já ouvia por ai, que era bonito, que toda sogra queria um genro como ele e outras graças.

Foi numa dessas noites que um cara chegou até ele após o show e deu um cartão com telefone. Homem discreto e bem vestido, entregou o cartão e saiu apressadamente.

No dia seguite Nei ligou e ouviu a voz do outro lado "Agora não dá, me liga daqui a uns 10 minutos.."

Quando retornou a voz do outro lado parecia mais calma.

-Então quero saber porque deixou o telefone pra mim?

-Pô cara deixei porque quero sair com você, não vao me dizer que só fica dançando só de cueca naquela espelunca e não sai com ninguém?

Nei ficou irritado sentindo sua masculinidade ferida.

-Olha aqui cara, saio sim. Mas só com mulher entendeu? Meu negócio foi e sempre será esse. Não curto ir pra cama com alguém com pêlo no peito, sacou?

-Pô mas eu sou discreto cara. E além do mais nem pêlo no peito eu tenho.

-Escuta aqui, já disse que não sou veado. Nem por dinheiro nenhum eu sairia com um veado entendeu?

-E quem disse que eu saio com veado também? Te dei meu telefone justamente porque sei que tu é homem como eu. E no mais acredito que quinhentos reais limpos na tua mão só pra transar comigo por alguns minutos é mais do que você ganha dançando ali.

Aquelas palavras "tu é homem" ,"transar por alguns minutos" e principalmente "quinhentos reais limpos" soaram para Nei com algo que dava pra se pensar.

A partir daquele contato, Nei ganhou mais dinheiro do que imaginava a sua vida inteira. E o melhor era ter um cliente fixo, como ele dizia.

Adicional noturno faz muita diferença viu mãe? dizia Marinês para a velha desconfiada com o dinheiro repentino do genro.

Em poucos meses estava com as contas todas pagas e fez questão de dar um presente aos sogros para calar a boca daquele velho infeliz.

O complicado novamente, era explicar para Marinês porque queria transar com ela agora somente com camisinha e porque sua preferência na cama era vê-la somente pelas costas.

De costas , pensava ele, todo mundo é igual...